A recente campanha da Piracanjuba, que utiliza embalagens de leite para divulgar fotos de pessoas desaparecidas, representa um importante esforço de responsabilidade social. Ao adotar tecnologias de inteligência artificial para recriar a aparência que esses indivíduos teriam nos dias de hoje, a marca dá visibilidade a um tema delicado e urgente, mobilizando a sociedade para colaborar na localização dessas pessoas. Contudo, iniciativas que envolvem dados pessoais e tecnologias avançadas, como a IA, precisam equilibrar seu impacto social com o respeito à legislação vigente, sob pena de comprometerem a própria legitimidade de seus propósitos.

Do ponto de vista da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a campanha encontra fundamento na base legal do interesse legítimo. A exibição das imagens de pessoas desaparecidas, especialmente processadas por IA, pode ser justificada como uma medida legítima para uma situação concreta que beneficia o próprio desaparecido e suas famílias. Contudo, mesmo quando baseada no interesse legítimo, a campanha deve atender aos princípios gerais da lei, como o da transparência. A Piracanjuba deveria informar detalhadamente o público sobre a origem dos dados, os responsáveis por seu tratamento e as salvaguardas adotadas para proteger as informações. A ausência de informações claras sobre como as imagens foram obtidas e tratadas, fragiliza a conformidade da campanha com a LGPD.

Sob a ótica do Projeto de Lei de Inteligência Artificial brasileiro, que reflete tendências globais de regulamentação da IA, surgem outros desafios. O PL enfatiza a transparência no uso de sistemas de IA, exigindo que as empresas comuniquem claramente ao público a metodologia, os critérios e as limitações do uso dessas tecnologias. No caso da Piracanjuba, as embalagens trazem apenas um aviso de que “as imagens são meramente ilustrativas e podem não ser exatas ou verazes”, o que está longe de atender aos padrões de transparência exigidos pelo marco regulatório em discussão. Essa omissão pode levar a interpretações equivocadas por parte do público, além de subestimar os riscos de eventuais falhas do sistema, como a produção de imagens irreais ou que gerem expectativas imprecisas.

Embora o Projeto de Lei de Inteligência Artificial ainda não esteja em vigor, a adoção de práticas transparentes no uso de IA já é uma demonstração de boa-fé e probidade por parte das empresas. Por mais que o objetivo da campanha seja nobre, é imprescindível lembrar que a boa intenção não exime o cumprimento de preceitos legais básicos.