No modelo Pay or Ok, o usuário que acessa um serviço online tem duas opções: aceitar a coleta de seus dados mediante cookies para serem utilizados para fins de publicidade comportamental ou pagar para utilizar o serviço sem a coleta dos dados. A legalidade deste modelo foi alvo de debates na Europa, onde, assim como no Brasil, o a proteção de dados pessoais é um direito fundamental.
A Questão do Consentimento
A questão central dos debates foi se o consentimento do usuário nestes casos poderia considerar-se válido, quando a consequência e não o fornecer seja a impossibilidade de acessar determinado conteúdo ou serviço. Limitar o acesso a serviços e conteúdos poderia coagir alguém a consentir a coleta e uso de seus dados? Para o Comitê Europeu de Proteção de Dados (EPDB), a resposta é sim.
Segundo o EPDB, o consentimento é considerado “livre” quando os indivíduos podem recusar ou retirar o seu consentimento sem risco de pressão externa ou consequências negativas. Neste contexto, seria possível afirmar que o consentimento não seria válido quando o usuário tiver apenas duas escolhas: dar seu consentimento ao tratamento dos dados para publicidade comportamental ou pagar uma taxa.
“As grandes plataformas devem evitar que o direito fundamental à proteção de dados se transforme em uma característica pela qual os usuários tenham que pagar para usufruir” (EPDB, Parecer 8/2024)
A Alternativa Equivalente
Para contornar essa questão, o EPDB propôs, então, que as grandes plataformas disponham de uma “alternativa equivalente” que não implique o pagamento de uma taxa e sem publicidade comportamental, por exemplo, realizando o tratamento com menos dados pessoais. Por grandes plataformas entende-se aquelas que realizam tratamentos de dados em larga escala, de acordo com o número de usuários afetados, o volume de dados e a extensão geográfica.
E No Brasil?
No Brasil, o tratamento de dados para fins de publicidade tem como base legal o interesse legítimo do controlador, e não o consentimento como ocorre na Europa. Isso legitimaria o uso dos dados para essa finalidade sem a autorização expressa do usuário. No entanto, ainda que não seja necessário o consentimento do usuário, segue sendo necessário o cumprimento dos princípios previstos na LGPD, como os de necessidade e transparência.
As empresas que tratam dados pessoais para fins de publicidade devem coletar somente os dados pessoais estritamente necessários para a finalidade pretendida, informar o usuário sobre a finalidade da coleta e as características do tratamento que irá realizar, dando a possibilidade de que tal usuário possa opor-se ao tratamento ou exercer os demais direitos previstos na LGPD.
Além disso, por estar baseado no legítimo interesse, deverá ser realizado um relatório de impacto à proteção dos dados pessoais, com o objetivo de avaliar se o tratamento em questão pode gerar riscos às liberdades civis e aos direitos fundamentais dos titulares, bem como estabelecer as medidas de mitigação de risco.
Parece fácil transacionar com dados pessoais no Brasil, não é mesmo?
Neste ponto, podemos nos perguntar se não seria justo que parte do retorno financeiro obtido pelas plataformas online com o tratamento dos dados pessoais (notadamente aqueles que não são imprescindíveis para a comercialização dos bens e serviços) fosse direcionado aos próprios titulares.
Projeto de Lei 234/2023
Há atualmente em tramitação no Congresso um projeto de lei (PLP 234/2023) do deputado Arlindo Chinaglia que visa a criação de um ecossistema digital para o compartilhamento de dados pessoais relativos a transações comerciais e financeiras e de relações de consumo, no qual parte da rentabilidade gerada pelos dados pessoais será destinada a seus próprios titulares.
Esta iniciativa, pioneira no mundo, tem como objetivo “empoderar” os titulares de dados no que diz respeito à monetização de suas próprias informações pessoais, garantindo uma compensação justa pelo uso de suas informações pessoais.
Concluindo
Sob uma perspectiva pragmática, é irrealista supor que seja possível impedir completamente as empresas de utilizarem dados pessoais para marketing, estatísticas ou outras finalidades que impulsionem seus negócios e, por extensão, a economia. Portanto, é justo que os titulares dos dados participem dos benefícios econômicos gerados por esse mercado.
Para isso, é imprescindível que os cidadãos recebam informações claras e suficientes sobre o uso de seus dados, incluindo tratamentos e compartilhamentos previstos, e que forneçam seu consentimento quando necessário, conforme os requisitos da LGPD. Assim como em qualquer contrato, desde que ambas as partes estejam de acordo e não haja proibição legal, prevalece a liberdade contratual prevista no Código Civil.